1_O que caracteriza a ciência hoje? Fernando Reinach: A ciência é um modo de entender o mundo. Uma sociedade educada para a ciência tem mais condições de, diante de desafios e do inesperado, oferecer questionamentos, debates e soluções melhores para avançar. Esse é o grande valor da ciência e do pensamento científico em todos os tempos. |
2_Que consequências a falta de educação científica provoca? Ela nos afeta em tudo. Não só a produção de conhecimentos, a pesquisa, como todo o desenvolvimento. Para dar um exemplo, no passado nascimento e morte eram entendidos apenas pelo primeiro e último suspiro, momento em que, muitos acreditavam, a alma entrava e saía do corpo. A questão da morte precoce, do aborto, não existia porque não se considerava a existência antes do nascimento. As descobertas científicas nos levaram à fecundação. Passamos dos suspiros ao batimento cardíaco e ao aparecimento do sistema nervoso, detetáveis nas primeiras semanas de gestação. Chegamos à parada cardíaca e à morte cerebral. São marcos regulatórios da existência que ajudam a sociedade a proteger a vida. E mudam e podem ser revistos ao longo do tempo, à medida que a ciência e a sociedade avançam e se deparam com novos desafios e necessidades. É um exemplo da percepção que temos de transmitir sobre a importância da ciência. |
3_E o ensino da ciência na escola? O problema é que a ciência é comunicada de forma dogmática e ensinar ciência é diferente de transmitir dogmas. O que faz diferença no aprendizado é mostrar ao estudante como se chegou a determinado conhecimento, como foi feito. E, se ele duvidar, poderá repetir o experimento para verificar. É o que separa a ciência de outras formas de conhecimento. A cada verdade científica corresponde um experimento com resultados que podem ser repetidos. Para dar outro exemplo: o professor pode informar ao aluno que formiga sabe contar. Se parar aí, não tem graça, é um dogma. Afirmo em meu livro que cada descoberta científica é uma pequena história de aventura. Está lá a história. Os cientistas suspeitaram que as formigas saem e conseguem voltar ao formigueiro porque elas determinam a distância contando passos. Para testar a hipótese, eles alteraram o comprimento do passo da formiga, apostando que isso iria levá-la a errar a conta da distância. Num grupo de formigas, as patinhas foram aumentadas com uma espécie de perna de pau. Com passos mais longos, elas ultrapassaram o buraco do formigueiro. As formigas de outro grupo tiveram as patas encurtadas, e elas paravam antes de chegar ao formigueiro. Se a ciência for passada assim, fica muito mais divertido aprender e se transmite ao aluno a prática do pensamento científico. |
4_Mas é possível transmitir todos os conteúdos dessa forma? É complicado. Escola dá muito conteúdo, fica impossível explicar tudo. Mas sempre que possível o conhecimento deveria ser passado assim. E não precisa ter laboratório, microscópio, tecnologias de ponta. Dizer que não tem recurso é desculpa. O recurso mais escasso é o tempo. A questão está na maneira de fazer. Você pode ensinar sobre a germinação de sementes de uma forma contemplativa, colocando lá o feijãozinho no algodão úmido sob a luz. Ou apresentar a experiência de forma questionadora, fazendo o estudante plantar o feijão com água, sem água, no claro, no escuro. Na escola, o principal é ensinar o método, a maneira de pensar. Isso gera uma atitude, um comportamento diante do conhecimento e da vida. A capacidade de inovar gira em torno desse pensar científico, de questionar o status quo, não aceitar passivamente. Isso é a educação científica. |
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